domingo, 4 de janeiro de 2009

Seminário fecha com debate sobre 1968 e canção sobre a censura

Debate terminou de forma emocionante, com uma canção sobre a censura


O Seminário “1968: Liberdade e Repressão” se encerrou na quarta-feira com a mesa-redonda “Bang Bang”. O debate contou com Jefferson Del Rios, crítico teatral; Marcelo Ridenti, professor da Unicamp; José Eduardo Vendramini, do Departamento de Artes Cênicas da ECA; e com Romário Boreli, escritor e músico.


Marcelo Ridenti destacou que entender o ano de 1968 é entender o significado de uma série de movimentos de uma época, não só daquele ano em específico. Naquele ano, ocorriam a Guerra do Vietnã, a Primavera de Praga, o massacre de estudantes no México, movimentos sociais nos EUA (como os Black Panthers), entre outros. Portanto, foi um ano de intensa movimentação política, de protestos.


Para Ridenti, foi uma época em que uma grande transformação parecia que poderia ocorrer a qualquer momento e ao alcance das mãos. “Bem diferente de hoje”, ressalva. Essa agitação pôde ser observada também no teatro, que se engajava cada vez mais, com o teatro político ganhando cada vez mais força: Teatro de Arena, Feira Paulista de Opinião, Teatro Oficina, etc. Como exemplos de protestos políticos na área da cultura, Ridenti cita Eles Não Usam Black-Tie, Arena Conta Tiradentes, O Rei da Vela, Roda-Viva, Os Fuzis da Senhora Carrar, dentre outros.


Já Eduardo Vendramini destacou a importância do teatro amador na época, que, pelo baixo custo, conseguiam resistir mais à censura (já que esta costumava trazer grandes prejuízos financeiros à muitos grupos, que investiam muito para depois ter a peça proibida). E cita um exemplo de peça, Um Grito Parado no Ar, de Guarnieri, que se vale da metalinguagem ao retratar um grupo mambembe que sofre com a censura.


Jefferson Del Rios, que era jovem na época da Ditadura, dá a visão dos jovens no período: achavam que era uma coisa boba e fraca, mas com o tempo perceberam que os militares não tinham vindo para brincadeira. O auge foi o AI-5, justamente em 1968. Para Del Rios, a Ditadura representou um baque para a juventude da época, que teve seus anseios freados.


“A censura não é o único tipo de repressão”

O último a falar foi Romário Boreli, que foi músico do Teatro de Arena (foi o diretor musical de Arena Conta Zumbi e Arena Conta Tiradentes, por exemplo), além de ter sido diretor musical de Morte e Vida Severina. Além disso, é escritor, tendo publicado a peça O Contestado.


Para Boreli, a censura não é o único tipo de repressão. Para ele, também há o medo, a insegurança, fatores esses muito presentes nos tempos da Ditadura. “A censura é apenas o desfecho do autoritarismo do governo”, comenta.


Boreli, ao final de sua fala, apresentou ao público uma canção que compôs justamente falando sobre a censura: “Naquele tempo as palavras tinham asas / tinham cores e cobriam de repente a cidade com flores / tinham fogo e acendiam nos lares e ternura de todos / davam vivam / iam cantando, murmurando”. E continua: “Mas de repente as palavras sem fronteiras acordaram, entre muros, assustadas, prisioneiras...”.


Sem dúvida, uma bela metáfora para aqueles tempos: quando deram conta, as palavras do teatro, da imprensa, do cinema, enfim, da Arte e da Comunicação em geral, estavam presas. Era preciso lutar.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

As tensões sociais na década de 60

Já no terceiro dia de seminário, a mesa O Filho do Cão, discutiu as tensões sociais da década, tendo por fundo os acontecimentos de 68, tanto no cenário cultural quanto no social.

Estavam presentes, Francisco Alambert, professor de História Social da USP, o professor da Unicamp Dr. João Quartim de Moraes na área de ciências políticas e jurídicas. E o Prof. Dr. Ferdinando Martins doutor em ciências políticas, jornalista e pesquisador do AMS. A coordenação da mesa coube à Professora Doutora Roseli Fígaro.


Francisco Alambert: as reverberações de 68 em 2008

O professor Alambert definiu o ano de 68 como um personagem histórico, agora quarentão, e como um fantasma, que de maneira muito particular se faz presente nos dias de hoje. “Imaginamos, pensamos e queremos aprender com esse personagem”.

Alambert coloca que hoje, 40 anos depois, os jovens vêem 68 como evento histórico ou como moda. A primeira parte é um bom sinal. A segunda é um sinal dos tempos. Os desejos da juventude de 68 se concretizam de forma distorcida na juventude de 2008, para ficar apenas em alguns exemplos, a vida sexual foi liberada, mas é neurótica, já que é mais um objeto a ser consumido; o acesso as drogas é facilitado, mas não para "abrir as portas da percepção", e sim para abrir as da alienação.

Mesmo assim ele defende que a partir dessas contradições é que pode ressurgir o verdadeiro espírito contestador de 68, como surgiu no debate promovido pelo AMS. O fantasma da época está entre nós, resta saber se vamos nos sentir assombrados ou inspirados.


João Quartim: 1968, um fato histórico
O professor Quartim, iniciou sua fala definindo um fato histórico. “O que são os Evénements de Mai 1968”. É próprio ao fato histórico ser um complexo de pequenos processos, qualquer fato histórico é na verdade um clímax de uma série de fatos que, portanto se deixa analisar como um momento.

Além disso, é próprio do fato histórico a sua auto-produção. “1968 teve desfiles, brigas, passeatas, sexo, mortes, esperança, desejo, tudo isso e mais alguma coisa que eu estou esquecendo. Mas teve também a imagem de 68 que ela perenizou”, qualquer fato histórico é objeto de uma luta ideológica.

Para Quartim, os resultados dessa luta são dificilmente classificáveis como positivos ou negativos, mas ele vê muito avanços, como a emancipação feminina e a liberação de alguns preconceitos, ou pelo menos a sua contestação.


Ferdinando Martins: A censura é sempre arbitrária
O pesquisador Ferdinando Martins pensou as representações sociais no ano a partir das peças de teatro encenados nesse momento e que estão presentes no próprio Arquivo Miroel Silveira. Ele escolheu como exemplo mais significativo para demonstrar a arbitrariedade da censura o processo da peça Santidade, de José Vicente.

A peça foi vetada pela censura, mas não satisfeito o então presidente, Costa e Silva, anunciou em rede de televisão que jamais uma peça como aquela seria encenada no território brasileiro. Fazendo questão de distribuir ele mesmo a peça para todos os DDP’s, para que caso a peça fosse apresentada com outro nome de diretor ou de título não fosse possível driblar a censura.

Martins contou que o autor tinha uma teoria para o motivo de tanto escândalo com a censura de uma peça, um trecho no qual um ex-seminarista, agora um prostituto, ao enumerar seus clientes cita um membro das Forças Armadas.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Terça-feira fecha com “O Crime da Cabra”

Após duas mesas de debate, público assiste a encenação de peça censurada durante a Ditadura


Na última atividade do segundo dia de Seminário, o público pôde assistir ao espetáculo “O Crime da Cabra”, de Renata Pallottini. A encenação ocorreu no Teatro Laboratório da ECA-USP.


A farsa contou a história de uma cabra que, prestes a ser vendida, come o dinheiro de seu comprador. De quem é a cabra agora? É a partir desse impasse que todo o enredo se desenrola, numa pacata cidade do interior.


Deolino e Filinto vão exigir justiça do delegado local (que tem ao seu lado um atrapalhado ajudante): aquele que queria vender a cabra diz que não irá mais entregá-la porque não recebeu o dinheiro. Já o comprador exige o animal, pois o dinheiro foi entregue.


Em meio ao conflito com a cabra, uma trama amorosa se desenrola: o Coronel Terso tenta seduzir Romilda, a insinuante e traiçoeira mulher de Deolino. Além disso, a cidade recebe a visita de um cego, vindo de outra cidade. Este, apesar de não enxergar, é o mais sábio de todos, “vendo” tudo o que acontece na delegacia, da “escapadela” do coronel à disputa pela cabra.


O poder do pequeno povoado aparece nas figuras do Coronel Terso, um grosseiro latifundiário com patente de coronel e que tem todo o seu poder concentrado em seu coldre à cintura; e na do Delegado, que dita a justiça à sua maneira, ora se valendo da Constituição em mãos, ora se valendo de seu estado de espírito no momento para resolver o impasse.


O poder coercitivo e abusivo em pequenas cidades do interior são temas claramente debatidos, mas que se tornam sutis com o uso do humor, que permeia toda a peça. Mas, como a autora conta, “Bem queria eu que o mundo de hoje – dentro e fora de mim – fosse o que me foi quando escrevi O Crime. Naquele tempo um delegado de província podia ser pensado como um distraído decifrador de palavras cruzadas. Um latifundiário com patente de coronel era ainda alguém com quem se podia brincar... hoje, no mundo de verdadeiros crimes e verdadeiros venenos, a realidade émais dura”.


A propriedade privada é outro tema debatido na peça. A cabra se configura como esse direito à propriedade. E é o grande objeto de disputa. Ora a cabra fica na posse do delegado, quanto este, ao constatar que um animal não pode cometer um crime, diz que no impasse não há criminoso e culpado. Logo, a melhor solução seria deixar a cabra na delegacia (uma decisão que se mostraria equivocada, pois nem Deolino nem Filinto desistem tão fácil assim do animal).


E ora a cabra viraobjeto de cobiça do Coronel, numa atitude tanto infantil quanto aleatória e autoritária. No final das contas, é um vai-e-vem no modo como a propriedade privada é debatida.


Mas todos chegam a uma conclusão, ao final do espetáculo: “A cabra é de quem precisa. Assim é que deve ser.”.



Autora, atriz e pesquisadora se encontram para falar da censura

Na segunda mesa de terça-feira, três mulheres do teatro brasileiro se encontraram para debater os significados da censura


A segunda mesa do dia, “Esta noite falamos de medo”, foi formada por três mulheres, personagens-chave da história do teatro brasileiro moderno: Nydia Lícia, atriz do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e fundadora da Companhia Nydia Lícia; Maria Thereza Vargas, grande pesquisadora do teatro brasileiro; e Renata Pallottini, dramaturga, cuja peça “O Crime da Cabra”, seria encenada mais tarde, no mesmo dia de evento.


“A censura era burra!”

Muito irreverente, a atriz Nydia Lícia não poupou palavras para dizer o que pensa da censura. “Naquela época, ninguém conseguia se livrar da censura. Mas ela era burra, completamente idiota!”, afirmou, arrancando risos da platéia.


Ela contou a história de sua peça como autora, “Essa Noite Falamos de Medo” (presente no Arquivo Miroel Silveira). A peça, conta, falava de nazismo, bomba atômica, racismo nos Estados Unidos, entre outros temas. E ela, na época, foi chamada na delegacia para dar explicações sobre a peça, “o porquê de ser contra os Estados Unidos”, falar de Marx, etc.


Descontraída, a atriz conta que havia muitas peças ruins. E brinca ao dizer que às vezes era até bom que elas fossem censuradas, de tão ruins. “Eram tão ruins que não eram nem encenadas quando eram posteriormente liberadas”.


Solidariedade foi fundamental


Maria Thereza Vargas, que por ter presenciado décadas de acontecimento no teatro brasileiro moderno e, ao mesmo tempo, tê-lo estudado, faz parte de toda essa história, conta que a solidariedade entre a classe teatral foi essencial para que a resistência do teatro contra a censura fosse efetiva.


Para a pesquisadora, a fidelidade à vocação mostrou para os censores com quem eles estavam lhe dando. Se, precipitadamente, os censores agiam como se estivessem diante de pessoas sem capacidade de auto-defesa, logo percebiam que se tratava de uma classe, muito bem organizada e que tinha força. A categoria foi humilhada, diz, mas resistiu. Humilhada porque centenas de textos foram censurados na estréia, o que causava problemas sérios para o grupo (na maioria financeiros).


Aliás, com Nydia Lícia presente na mesa, não havia hora mais oportuna para lembrar que o TBC foi o principal responsável por profissionalizar o teatro no Brasil.


Maria Thereza faz uma ressalva: hoje, apesar da seriedade com o qual se trata da censura, há um pouco de folclore, o que mistifica aqueles fatos. “Mas a coisa sempre foi séria”, comenta.


“A classe teatral foi heróica”

Renata Pallottini continuou com as reflexões sobre a censura ao teatro. Concordou com a fala de sua amiga Nydia Lícia, ao dizer que a censura não fazia nenhum exercício intelectual durante o processo de análise e censura da peça.


Ela conta que eles eram funcionários a partir dos anos 50, e sentiam a pressão do trabalho, tinham que fazer algo que justificasse o salário. “Os censores tinham muitas vezes que ‘procurar chifre em cabeça de cavalo’”, comenta.


Para a autora, a classe teatral foi heróica por resistir à censura. “É uma luta que não se pode esquecer”, completa. Ela ainda disse que a censura, de diferentes modos, persiste até hoje, que é preciso estar sempre alerta para a defesa da liberdade.